31/01/19

Unmade





I swear there's nothing
Won't grow back again
I swear there's nothing
Come under my wings
Come under my wings
Come under my wings
Under my wings
We're unmade
Thom Yorke - Unmade

30/01/19

Como tudo o resto

janeiro 2019


   Chegamos à conclusão de que as pessoas são más e de que nada vale a pena. Ou talvez cheguemos à conclusão de que tudo vale a pena. Eu acho que as pessoas não são más nem boas, são como tudo o resto. As pessoas são como o vento, como a chuva, como o mar. Por vezes, o mar põe-nos um peixe no prato, outras, entra pela terra adentro e mata aos milhares. O sol queima e faz crescer, o vento derruba e poliniza, a terra dá arroz e engole cidades, o fogo cozinha alimentos e faz arder as almas. As pessoas são assim, por vezes abraçam, por vezes matam.

Afonso Cruz in Princípio de Karenina

27/01/19

Blow Up




Tenho fotografias que provam
que nunca exististe.

Pedro Mexia in Vida Oculta



24/01/19

Assume Form




janeiro 2019 | (fotografada pela Teresa)



I will assume form, 
I'll leave the ether
I will assume form, 
I'll be out of my head this time



23/01/19

The sparkly feeling of possibility





"This song is about a crush. And while this one never turned into much more, I've got a lot of gratitude for that dude for giving me this song and for a few days, the sparkly feeling of possibility."



19/01/19

Light On





And I am finding out
There's just no other way
That I'm still dancing at the end of the day

Maggie Rogers - Light On

18/01/19

Como dizer poesia


Pedro Lamares | julho 2018


   Tomemos a palavra borboleta. Para usar esta palavra não é preciso fazer com que a voz pese menos de um grama nem dotá-la de asinhas poeirentas. Não é preciso inventar um dia de sol nem um campo de narcisos. Não é preciso estar-se apaixonado, nem estar-se apaixonado por borboletas. A palavra borboleta não é uma borboleta real. Existe a palavra e existe a borboleta. Se confundires estas duas coisas darás razão a quem queira rir-se de ti. Não atribuas grande importância à palavra. Estarás a tentar insinuar que amas as borboletas de uma forma mais perfeita do que qualquer outra pessoa, ou que compreendes a sua natureza? A palavra borboleta não passa de informação. Não é uma oportunidade para pairares, levitares, aliares-te às flores, simbolizares a beleza e a fragilidade, nem de modo nenhum personificares uma borboleta. Não representes palavras. Nunca representes palavras. Nunca tentes tirar os pés do chão ao falares de voar. Nunca feches os olhos, tombando a cabeça para um dos lados, ao falares da morte. Não fixes em mim os teus olhos ardentes ao falares de amor. Se quiseres impressionar-me ao falares de amor mete a mão no bolso ou por baixo do vestido e toca-te. Se a ambição e a sede de aplausos te levaram a falar de amor deverás aprender a fazê-lo sem te envergonhares a ti mesmo nem às tuas fontes.
Qual é a expressão exigida pela nossa época? A época não exige expressão nenhuma. Já vimos fotografias de mães asiáticas enlutadas. Não estamos interessados na agonia dos teus órgãos remexidos. Não há nada que possas estampar no teu rosto que se equipare ao horror desta época. Nem sequer tentes. Apenas te sujeitarás ao desdém daqueles que sentiram profundamente as coisas. Já assistimos a películas de seres humanos em pontos extremos de dor e desenraizamento. Toda a gente sabe que andas a comer bem e que estás até a ser pago para estares aí em cima. Estás a atuar diante de pessoas que passaram por uma catástrofe. Tal facto deverá tornar-te bastante discreto. Diz as palavras, transmite a informação, chega-te para o lado. Toda a gente sabe que estás a sofrer. Não poderás contar à plateia tudo o que sabes sobre o amor a cada verso de amor que disseres. Chega-te para o lado e as pessoas saberão o que tu sabes por já o saberes. Nada tens para lhes ensinar. Tu não és mais belo do que elas. Não és mais sábio. Não lhes grites. Não forces uma penetração a seco. É mau sexo. Se revelares o contorno dos teus genitais, então cumpre o que prometes. E lembra-te que as pessoas não desejam propriamente um acrobata na cama. De que é que nós precisamos? De estar perto do homem natural, de estar perto da mulher natural. Não finjas que és um cantor adorado com um público vasto e leal que tem vindo a acompanhar os altos e baixos da tua vida até ao momento presente. As bombas, os lança-chamas e essas merdas todas não destruíram apenas árvores e aldeias. Destruíram igualmente o palco. Achaste que a tua profissão escaparia à destruição geral? Já não há palco. Já não há ribalta. Tu estás no meio das pessoas. Portanto, sê modesto. Diz as palavras, transmite a informação, chega-te para o lado. Fica a sós. Fica no teu canto. Não te insinues.
Trata-se de uma paisagem interior. É por dentro. É privado. Respeita a privacidade do texto. Estas obras foram escritas em silêncio. A coragem da atuação é dizê-las. A disciplina da atuação é não as violar. Deixa que o público sinta o teu amor pela privacidade ainda que não haja privacidade. Sejam boas putas. O poema não é um slogan. Não poderá publicitar-te. Não poderá promover a tua reputação de seres sensível. Tu não és um garanhão. Tu não és uma mulher fatal. Toda essa treta relacionada com os bandidos do amor. Vocês são estudantes da disciplina. Não representes as palavras. As palavras morrem se as representares, murcham, e a única coisa que sobrará será a tua ambição.
Diz as palavras com a exata precisão com que verificas uma lista de roupa suja. Não te comovas com a blusa de renda. Não fiques de pau feito ao dizer cuecas. Não te arrepies todo só por causa da toalha. Os lençóis não deverão suscitar à volta dos olhos uma expressão sonhadora. Não é preciso chorar agarrado a um lenço. As meias não estão lá para te recordar viagens estranhas e longínquas. É só a tua roupa suja. São só as tuas peças de roupa. Não espreites através delas. Veste-as.
O poema não é senão informação. É a Constituição do país interior. Se o declamares e deres cabo dele com nobres intenções, então não serás melhor do que os políticos que desprezas. Não passarás de uma pessoa a agitar uma bandeira e a realizar o apelo mais reles a uma espécie de patriotismo emocional. Pensa nas palavras como sendo ciência e não arte. Elas são um relatório. Tu estás a falar num encontro do Clube de Exploradores da National Geographic. As pessoas que tens à tua frente conhecem todos os riscos do montanhismo. Honram-te partindo desse princípio. Se lhes esfregares isso na cara, será um insulto à sua hospitalidade. Fala-lhes da altura da montanha, do equipamento que usaste, sê rigoroso em relação às superfícies e ao tempo que demoraste a escalá-la. Não manipules o público à caça de bocas abertas e suspiros. Se mereceres as bocas abertas e os suspiros, isso não se deverá à avaliação que fizeres do acontecimento, mas à que o público fizer. Resultará da estatística e não do tremer da tua voz nem das tuas mãos a cortar o ar. Resultará dos dados e da discreta organização da tua presença.
Evita os floreados. Não tenhas medo da fraqueza. Não tenhas vergonha do cansaço. O cansaço dá-te bom ar. O ar de quem seria capaz de nunca mais parar. Agora, entrega-te aos meus braços. Tu és a imagem da minha beleza.
Leonard Cohen 
(tradução de Vasco Gato)

17/01/19

Cicatriz



julho 2018





A cicatriz das tuas derrotas
é o tapete que te leva
ao prado onde floresce
o jacinto azul


José Tolentino Mendonça in Teoria da Fronteira

16/01/19

Holy Motors


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What makes you carry on, Oscar?
- What made me start, the beauty of the act.
Beauty? They say it's in the eye, the eye of the beholder.
And if there's no more beholder?

Holy Motors, Leos Carax (2012)


15/01/19

The bug collector







julho 2018



And there's a centipede
Naked in your bedroom
Oh and you swear to God
The fucker's out to get you

And I digress
'Cause I must make you the perfect morning
I try my best
To scoop the slugger out the window

And there's a praying mantis
Prancing on your bathtub
And you swear it's a priest
From a past life out to getcha

And I digress
'Cause I must make you the perfect evening
I try my best
To put the priest inside a jam jar

And there's a millipede
Angry on your carpet
Oh and I must admit
He's staring with a vengeance

Oh and I digress
'Cause I must make you the perfect morning
And I try my best
To prove that nothing's out to get you

To prove that nothing's out to get you


13/01/19

conceptual romance cont.




mesmo que a tua existência não esteja comprovada e que tudo não passe de mais uma história que conto a mim própria para não me sentir tão só,


(às vezes preferia não saber onde moras, a marca de tabaco que fumas, a música que mais ouves quando a tristeza te invade, o sonho recorrente que te atormenta as noites, a letra tremida quando estás nervoso, o vinho que te cai mal. O sorriso que te denuncia a mentira, esse riso que enche uma casa, a vontade que tens de voar,)


ainda assim, 

é bom saber que existes.


10/01/19

Conceptual Romance






This blood bitch's tale
It goes a bit like this:
I lose myself in the rituals of bad art, in failure
I want to give up but I can tell
My heartbreak is too sentimental for you


Jenny Hval - Conceptual Romance

08/01/19

O menino que carregava água na peneira












julho 2018




Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
o menino fazia prodígos.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

Manoel de Barros

04/01/19

Tóquio!


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Merde

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Tokyo! (2008)
Shaking Tokyo


Tokyo! - Michel Gondry, Leos Carax, Joon-ho Bong (2008)

03/01/19

A ignóbil contradição de estar vivo



dezembro 2018



   A felicidade sempre foi um negócio e uma obsessão. Os filósofos, desde que existem, tentam mostrar-nos o caminho. Assim como os padres. E os monges. E os ditadores. E os samanas. E os gimnosofistas. E os cientistas. E os nossos pais. Toda a gente quer encontrar a felicidade e, não sendo eles próprios felizes, pretendem enfiar a beatitude que não conquistaram pela goela dos outros. Quer um copo de água para empurrar? Pegam em discursos, em actos, em ramos de flores, em educação, em dinheiro, em poemas e canções e servem-nos o caminho para a felicidade. Educam-nos com histórias que terminam com o singelo «foram felizes para sempre». E não me refiro só à Bíblia, mas também aos contos de fadas e de príncipes e princesas.  E a obsessão é tão grande que até aos aleijados como eu lhes é servida a esperança: o fantasma da ópera, o corcunda de Notre-Dame, Cyrano de Bergerac, a Bela e o Monstro, Pinóquio, o sapo. Haja esperança para todos, incluindo os batráquios que se tornam proeminentes membros da monarquia e se casam e, como quem se constipa, ficam com aquela doença do peito, o amor eterno. É que o amor corrige o mundo mas também aleija muito. Nesse processo, há dor e alegria, mas não o estado de euforia permanente. As pessoas felizes não são as pessoas que vivem a abanar a cauda. As pessoas felizes choram e temem e caem e magoam-se e gritam e esfolam os joelhos, porque a sua felicidade independe da roda da fortuna, do acaso, das circunstâncias.
   Dito isto, e com a experiência e clarividência que fatalmente me contaminaram, sei exactamente qual é a fórmula da felicidade. Mas também sei que não adianta nada a ninguém. E basta olhar para o que acabei de escrever para encontrar a ignóbil contradição de estar vivo. Rejeito a felicidade para a poder conquistar. Abomino os negociantes da felicidade e tento, eu próprio, anunciar a sua fórmula.
   
   Como alguém disse: está consumado. Espero que aprendas a viver com as feridas que fazem de nós formas imperfeitas, famílias imperfeitas, diferentes, cada uma à sua maneira. Repara como é estranho, talvez belo, talvez perverso, que as nossas dores sejam eixos da memória e nos marquem indelevelmente, ao mesmo tempo que nos salvam a vida: assim como a minha deformidade me salvou da guerra, a minha morte salvou-te a vida. E, mais ainda, a minha morte salvou-me a vida.


Afonso Cruz in Princípio de Karenina