09/08/18

miúdas grotescamente poéticas




dezembro 2017*






sempre fui miúda de sonhos descabidos
miúda grotescamente poética,
chata de coisas que chateiam
de pernas fininhas que depois engrossaram


as miúdas poéticas são bobinas de filmes, riscadas
são gaitas desafinadas
onde muitos passaram os lábios
mas não ficaram
as miúdas poéticas contemplam o suicídio
mesmo depois de uma taça de Corn Flakes
olham os telhados laranja de Lisboa
e pensam noutro sítio qualquer
semeiam flores para terem perfumes
matam-nos, por amá-las de mais


as miúdas poéticas têm cabelos desmoronados
de beatas e perguntas
têm a roupa de detergente barato
e as unhas roídas 'à la carte'
tossem devagarinho com medo de
agredir alguém
têm pose de girafa mas não chegam às árvores



Claudia R. Sampaio in "A primeira urina da manhã"




   

   *O último mês do ano é especialmente propício a grandes alegrias mas também a grandes desmoronamentos. Há dias em que olhamos o espelho mas não vemos pele, só vísceras. Fazemos o que podemos para resolver: eu fui à cabeleireira. Não resultou. Cortei algum cabelo em casa. Não resultou. Voltei ao salão para disfarçar os estragos e continuei a não me ver. E no fundo sempre soube que a questão aqui não era o cabelo. (Talvez isto não faça grande sentido para quem nunca acordou estranho a si próprio). Muita ansiedade, muito choro mas também a oportunidade (falhada) de fotografar uma ou duas lágrimas - é o segredo por trás do auto-retrato de olhar mais brilhante que tenho. 
   Ouvi um dia destes, na rádio ou na tv, sobre caranguejos. Que para crescerem e se expandirem, a carapaça tem de ser trocada. Quando a antiga se desprende do corpo, eles ficam vulneráveis, sem protecção, até que a nova carapaça endureça.  Não há uma solução fácil para o crescimento (em nenhuma espécie, provavelmente). Sou demasiadas vezes o caranguejo a que não endurece a carapaça, mas reconheço que prefiro sentir tudo intensamente, mesmo que desta forma meio violenta, a voltar a não sentir nada.


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