31/10/18

As Flores do Argelino

abril 2018



   Domingo, dez horas da manhã, no cruzamento da Rua Jacob com a Rua Bonaparte, Bairro de Saint-Germain-des-Prés, há dez dias. Um jovem vindo do mercado de Buci encaminha-se para este cruzamento. Tem vinte anos, veste miseravelmente e empurra à mão um carrinho cheio de flores: trata-se de um jovem argelino que anda a vender flores clandestinamente, tal como vive. Dirige-se para o cruzamento Jacob-Bonaparte, menos vigiado que o mercado, e pára ali, inquieto, evidentemente.
   E com razões para isso. Menos de dez minutos depois - ainda nem teve tempo de vender o primeiro ramo - dois senhores à paisana avançam na sua direcção. Vêm da Rua Bonaparte. Andam à caça. Nariz ao vento, farejando a atmosfera deste belo domingo soalheiro que promete irregularidades, outras espécies, como a perdiz, por exemplo, os senhores vão direitos à sua presa.
   - Documentos?
   Não tem documentos que lhe permitam dedicar-se ao comércio de flores.
   Então um destes dois senhores aproxima-se do carrinho, faz deslizar o punho fechado pela parte de baixo e - livra, como é forte! - com um só murro deita todo o conteúdo por terra. O cruzamento fica inundado com as primeiras flores da Primavera (argelina).
   Nem Eisenstein, nem nenhum outro está presente para dar realce a esta cena das flores por terra, observadas por este jovem argelino de vinte anos, ladeado pelos representantes da ordem francesa. Os primeiros automóveis, que passam, e sem que ninguém os possa impedir, evitam danificar as flores contornando-as instintivamente.
   Na rua, ninguém, a não ser uma senhora, uma só:
   - Bravo, senhores! - exclama. - Vêem, se fizessem sempre assim, já há muito que estávamos livres desta escumalha. Bravo!
   Mas surge uma outra senhora que a seguia desde o mercado: observa as flores, o jovem criminoso que andava a vendê-las, a dama em júbilo e os dois senhores. E, sem uma palavra, inclina-se, apanha algumas flores, avança para o jovem argelino e paga-lhas. Depois dela vem uma outra senhora, apanha umas flores e paga. Vêm em seguida mais quatro senhoras que se inclinam, apanham as flores e pagam. Quinze senhoras, ao todo. Sempre em silêncio. Os senhores pisam o chão enraivecidos. Mas o que há a fazer num caso destes? As flores são para vender e não se pode impedir que as queiram comprar.
   Esta cena não durou mais que dez minutos. Não ficou uma só flor por terra.
   Depois disto, os senhores tiveram ocasião de conduzir o jovem argelino à esquadra da Polícia.
FRANCE-OBSERVATEUR, 1957


Marguerite Duras in Outside, Notas à Margem

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