abril 2018
"Há uma única via. Entre dentro de si. Investigue a razão que o leva a escrever, veja se ela lançou raízes no lugar mais recôndito do seu coração, pergunte se morreria caso fosse impedido de escrever. Acima de tudo, na hora mais silenciosa da noite, pergunte a si próprio: tenho de escrever? Escave dentro de si até encontrar uma resposta profunda. E se esta resposta for afirmativa, se puder enfrentar esta séria pergunta com um «tenho» simples e forte, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade; a sua vida, mesmo nas horas mais indiferentes e pequenas, terá de ser um sinal e um testemunho desse ímpeto. Aproxime-se então da Natureza. Tente então dizer, como o primeiro homem, o que vê e o que vive e ama e perde. Não escreva poemas de amor; evite por ora as formas mais comuns e correntes: são elas as mais difíceis, pois só uma grande força, já amadurecida, conseguirá criar uma coisa própria por entre a abundância de boas e por vezes brilhantes prestações. Evite por isso os motivos gerais e prefira aqueles que o seu quotidiano lhe oferece; descreva as suas tristezas e desejos, os pensamentos passageiros e a fé numa qualquer beleza - descreva tudo isso com sinceridade íntima, tranquila, modesta, e para lhes dar expressão sirva-se das coisas que o rodeiam, das imagens dos seus sonhos e dos objectos das suas recordações. Se o seu dia-a-dia lhe parecer pobre, não o acuse de pobreza; acuse-se a si próprio, reconheça que não é ainda poeta o bastante para conseguir invocar as suas riquezas; pois para um criador não há pobreza e nenhum lugar é indiferente e pobre. E mesmo que estivesse numa prisão, cujas paredes separassem os ruídos do mundo dos seus sentidos, teria ainda e sempre a sua infância, essa riqueza preciosa e imperial, a câmara do tesouro da lembrança. Dirija a ela a sua atenção. Tente levantar as sensações submersas desse passado longínquo; a sua personalidade fortalecer-se-á, a sua solidão estender-se-á até se tornar uma casa à luz do cair da tarde ou do amanhecer, por onde o ruído dos outros passa à distância. E se, depois deste movimento de introspecção, depois deste mergulho no seu próprio mundo, se depois nascerem versos, já não lhe ocorrerá perguntar a alguém se eles são bons.
A boa obra de arte nasce da necessidade. É esta origem, e nada mais, que determina o juízo do seu valor. Por esta razão, caro Senhor, não posso dar-lhe outro conselho para além deste: entre dentro de si e sonde as profundezas donde brota a sua vida; é nesta fonte que encontrará a resposta à pergunta: tenho de criar? Admita a resposta, qualquer que ela seja, sem a interpretar. Talvez venha a descobrir que nasceu para ser artista. Nesse caso, aceite o seu destino, carregue o seu peso e grandeza, sem perguntar por proveitos que possam vir de fora.
"Há uma única via. Entre dentro de si. Investigue a razão que o leva a escrever, veja se ela lançou raízes no lugar mais recôndito do seu coração, pergunte se morreria caso fosse impedido de escrever. Acima de tudo, na hora mais silenciosa da noite, pergunte a si próprio: tenho de escrever? Escave dentro de si até encontrar uma resposta profunda. E se esta resposta for afirmativa, se puder enfrentar esta séria pergunta com um «tenho» simples e forte, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade; a sua vida, mesmo nas horas mais indiferentes e pequenas, terá de ser um sinal e um testemunho desse ímpeto. Aproxime-se então da Natureza. Tente então dizer, como o primeiro homem, o que vê e o que vive e ama e perde. Não escreva poemas de amor; evite por ora as formas mais comuns e correntes: são elas as mais difíceis, pois só uma grande força, já amadurecida, conseguirá criar uma coisa própria por entre a abundância de boas e por vezes brilhantes prestações. Evite por isso os motivos gerais e prefira aqueles que o seu quotidiano lhe oferece; descreva as suas tristezas e desejos, os pensamentos passageiros e a fé numa qualquer beleza - descreva tudo isso com sinceridade íntima, tranquila, modesta, e para lhes dar expressão sirva-se das coisas que o rodeiam, das imagens dos seus sonhos e dos objectos das suas recordações. Se o seu dia-a-dia lhe parecer pobre, não o acuse de pobreza; acuse-se a si próprio, reconheça que não é ainda poeta o bastante para conseguir invocar as suas riquezas; pois para um criador não há pobreza e nenhum lugar é indiferente e pobre. E mesmo que estivesse numa prisão, cujas paredes separassem os ruídos do mundo dos seus sentidos, teria ainda e sempre a sua infância, essa riqueza preciosa e imperial, a câmara do tesouro da lembrança. Dirija a ela a sua atenção. Tente levantar as sensações submersas desse passado longínquo; a sua personalidade fortalecer-se-á, a sua solidão estender-se-á até se tornar uma casa à luz do cair da tarde ou do amanhecer, por onde o ruído dos outros passa à distância. E se, depois deste movimento de introspecção, depois deste mergulho no seu próprio mundo, se depois nascerem versos, já não lhe ocorrerá perguntar a alguém se eles são bons.
(...)
A boa obra de arte nasce da necessidade. É esta origem, e nada mais, que determina o juízo do seu valor. Por esta razão, caro Senhor, não posso dar-lhe outro conselho para além deste: entre dentro de si e sonde as profundezas donde brota a sua vida; é nesta fonte que encontrará a resposta à pergunta: tenho de criar? Admita a resposta, qualquer que ela seja, sem a interpretar. Talvez venha a descobrir que nasceu para ser artista. Nesse caso, aceite o seu destino, carregue o seu peso e grandeza, sem perguntar por proveitos que possam vir de fora.
(...)
Talvez aconteça que, depois desta descida dentro de si e da sua solidão,
tenha que renunciar a ser poeta; (como disse, basta sentir que se consegue
viver sem escrever para não dever sequer tentá-lo). Mas mesmo então este exame
de consciência que o insto a fazer não terá sido em vão. A sua vida encontrará
em todo o caso os seus próprios caminhos, e que eles sejam bons, ricos e longos
é o que eu lhe desejo mais do que consigo dizer."
Rainer
Maria Rilke in (Primeira Carta), Cartas a um jovem poeta
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