24/06/19

re-existência


 



 Nazaré | agosto 2018



   Lenz lembrou-se até desse conflito básico entre o lápis e a borracha: a borracha que apaga o que o lápis inscreveu no exterior do mundo, atirando de novo uma palavra ou um desenho para o mundo do não explícito, do escondido, do que ainda não existe; e o lápis que depois, pela segunda vez, volta à carga, tentando forçar a existência - melhor: a re-existência- de um conjunto de traços no papel. Este voltar atrás quase mágico; esta existência que deixa de existir sem deixar atrás de si um cadáver ou qualquer resto - a folha totalmente branca, depois da acção da borracha, folha que momentos antes poderia ter suportado a frase mais relevante do mundo ou, por exemplo, o símbolo do Partido, que a todos impressionava; esse retrocesso artificial, técnico e quase monstruoso sempre fascinara Lenz e ali, naquele momento, ele não pôde deixar de associar esse avançar e recuar ao bom do louco Rafa. Eis alguém - pensou Lenz - que tem o lápis numa das mãos e a borracha noutra, e que age, depois, simultâneamente com as duas mãos.

Gonçalo M. Tavares in Aprender a rezar na Era da Técnica



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