10/09/20

todas as pessoas sozinhas





Isabel | novembro 2018





Todas as pessoas sozinhas dançam devagar na sala de espera
mesmo que o dia seja quente e convide a passeios ao luar.
A música é sempre a mesma, assobiada ao ouvido
por um rapazinho tímido e fechado do qual não se sabe o nome
e a destreza que podemos alcançar, neste querer dar o passo certo,
é apenas uma mínima ideia da força dos nossos desejos.
Todas as pessoas sozinhas sorriem em frente ao espelho
e lavam os dentes como quem arranca beijos à emoção
de ter ali, à nossa frente, alguém de quem gostamos muito.
A porta da rua é um lugar onde só se sai,
a nossa família é uma fotografia pendurada na parede
e os amigos são aqueles que nos dão bons dias no café.
Todas as pessoas sozinhas gritam baixinho os nomes esquecidos
que outras pessoas sozinhas lhes sussurraram alto uma vez,
quando ainda éramos todos uns dos outros.
Engomada a camisa, vestimo-nos com o cuidado solene
daqueles que vestem camisas com emoção e significado
enquanto esperam a hora certa para morrer ou nascer.
Todas as pessoas sozinhas todas as pessoas sozinhas
embrulhadas em lençóis frescos porque é Verão
a rebolar as dores de pescoço pelas duas almofadas da cama
e a pensar que de tanto dormir assim sem ninguém
vai ser difícil voltar a adormecer só num dos cantos do colchão.
Todas as pessoas sozinhas todas as pessoas sozinhas.



Luís Filipe Cristóvão 








 

05/09/20

Coffee

 



Wrap me in your arms
I can't feel it but
Wrap me in your arms
I can't feel it but

Sylvan Esso - Coffee



02/09/20

meu querido mês de agosto,

 

  que começaste de forma inesperada e encurtaste tantas distâncias. agosto dos olhos cansados e das viagens longas, dos desenhos das ovelhinhas toscas mais bonitas que já vi, dos filmes e das curadorias personalizadas, das árvores robustas que tão bem cumprem a sua função. dos pés de molho e dos rios, reais e metafóricos. dos corpos na relva, do mistério das cócegas extintas e dos desenhos rupestres improvisados. dos campeonatos de jogo do sério e do mais perfeito ricochete da história da humanidade. dos efeitos especiais do sol por entre as folhas de ulmeiro e dos olhos semi-cerrados como objectivas a brincar com a luz. das pizas improváveis e das teses tolas e da pele arrepiada e das coisas que deixamos para pensar depois. das travessias de pontes, dos caminhos sinuosos, do sono, do cansaço e das confissões. da ameixa dividida, dos pés com terra e das fotografias que quase nos esquecíamos de tirar.  da esperança média de vida das formigas e do cão Vítor - ávido devorador de torradas com manteiga. das listas das nossas coisas mais preciosas. das noites mal dormidas, à distância. e das pestanas compridas, os sinais no queixo, a tua pele suave, a luz sobre as nossas cabeças e claramente, também dentro de nós. as escuridões que carregamos e também as chamas que vamos ateando por aí. E sobretudo sobre a sorte. há eternidades que duram 2 dias - e são perfeitas assim.