30/12/17

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Lisboa | dezembro 2017




   "De vez em quando a minha mãe decreta: amanhã vamos ao fotógrafo.
   Queixa-se do preço mas mesmo assim faz a despesa das fotografias de família. As fotografias, olhamo-las, não nos olhamos mas olhamos as fotografias, cada um separadamente, sem uma palavra de comentário, mas olhamo-las, vemo-nos. Vemos os outros membros da família um por um ou em conjunto. Revemo-nos quando éramos muito pequenos em fotografias antigas e olhamo-nos nas fotografias recentes. A separação ainda cresceu mais entre nós. Uma vez olhadas, as fotografias são arrumadas com a roupa branca nos armários.

(...)

   Quando ficou velha, de cabelos brancos, também ela foi ao fotógrafo, foi lá sozinha, e fez-se fotografar com o seu belo vestido vermelho-escuro e as suas duas jóias, o cordão e o broche de ouro e jade, um pequeno cilindro de jade embutido em ouro. Na fotografia está bem penteada, nem uma ruga, uma imagem. Os indígenas endinheirados iam, também eles ao fotógrafo, uma vez na vida, quando viam que a morte se aproximava. As fotografias eram grandes, todas do mesmo formato, encaixilhadas em belas molduras douradas e penduradas junto ao altar dos antepassados. Todas as pessoas fotografadas, e vi muitas, davam quase a mesma fotografia, a sua semelhança era alucinante. Não é só que os velhos se assemelhem, é que os retratos eram retocados, sempre, de tal modo que as particularidades do rosto, se ainda as havia, eram atenuadas. Os rostos eram preparados da mesma maneira para enfrentar a eternidade, eram alisados, uniformemente rejuvenescidos. Era o que as pessoas queriam. Essa semelhança - essa discrição - deveria vestir a recordação da sua passagem pela família, testemunhar a um tempo a sua singularidade e a sua afectividade. Quanto mais se pareciam, mais a pertença às hostes da família devia ser patente. Além disso, todos os homens tinham o mesmo turbante, as mulheres o mesmo carrapito, os mesmos penteados esticados, os homens e as mulheres a mesma túnica de colarinho subido.Tinham todos o mesmo ar que eu haveria de reconhecer ainda entre todos. E aquele ar que a minha mãe tinha na fotografia do vestido vermelho era o deles, era esse mesmo, nobre, dirão alguns, e alguns outros, apagado."

Marguerite Duras in O Amante

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