Lisboa | dezembro 2017
"A data da partida, mesmo que ainda longínqua, uma vez fixada, ele já nada podia fazer com o meu corpo. Tinha acontecido brutalmente, sem ele ter consciência disso. O seu corpo já não queria esta que ía partir, trair. Dizia: já não posso possuir-te, pensava que ainda podia, mas já não posso. Dizia que estava morto. Desculpava-se com um sorriso muito meigo, dizia que talvez aquilo nunca mais lhe voltasse. Eu perguntava-lhe se ele tinha querido que as coisas se passassem assim. Ele quase ria, dizia: não sei, neste momento talvez sim. A sua meiguice tinha ficado inteira na dor. Não falava dessa dor, nunca dissera uma palavra sobre ela. Às vezes o seu rosto estremecia, fechava os olhos e cerrava os dentes. Mas calava-se sempre sobre as imagens que via por trás dos olhos fechados. Dir-se-ía que amava aquela dor, que a amava como me amara, com muita força, talvez até morrer, e que agora a preferia a mim."
Marguerite Duras in O Amante
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